Notícia: Luís Filipe Barros deixa o Rock em Stock, Ana Bola substitui

Noticia 13 1 1982 Ana Bola substitui Berrosss.jpg

13 de Janeiro de 1982. A notícia foi um autêntico choque para os ouvintes do Rock em Stock, o programa de maior audiência de sempre da rádio FM em Portugal. Luís Filipe Barros ia, por vontade própria, sair do Rock em Stock no final de Janeiro e a locução do programa ia passar a ser assegurada por Ana Bola – uma locutora substituta que nem a pessoa com a imaginação mais fértil do mundo estaria perto de adivinhar: se fosse 1.º de Abril, ninguém acreditaria.

 

A saída de Luís Filipe Barros do Rock em Stock tinha estado muito perto de acontecer um ano antes (também a seu pedido), quando esteve programada a sua substituição por António Sérgio na realização e locução do programa, a partir do início de 1981 (facto confirmado por ambos). Luís Filipe Barros tinha, já nessa altura, a ambição de fazer um programa na Onda Média da Rádio Comercial (que foi também a razão anunciada para a saída em 1982: Barros ia assegurar, a partir de 1 de Fevereiro de 1982, o programa matinal da Onda Média, a que planeava dar o nome de “Café Com Leite”).

 

Em entrevista em Abril de 1981, Luís Filipe Barros confessara-se “um pouco saturado” do programa e reafirmara a sua vontade de sair para a Onda Média (onde entretanto já tinha assegurado a condução do programa da manhã durante uma semana, por impedimento de Luís Pereira de Sousa). No entanto, no final de Novembro de 1981, apenas mês e meio antes desta notícia, Luís Filipe Barros deu uma longa entrevista, da qual não resultavam quaisquer indícios de que estivesse prestes a sair do Rock em Stock. Pelo contrário, não referiu que ia sair quando lhe foi perguntado se ia «partir para outras coisas». E em 29 de Dezembro de 1981, em nova entrevista, era dado adquirido que Luís Filipe Barros continuaria no Rock em Stock em 1982 e que a única mudança em cima da mesa era a saída de Rui Neves e de Ricardo Camacho e a entrada de um novo elemento para se juntar a Luís Filipe Barros e Rui Morrison.

 

Ainda em Dezembro de 1981, em entrevista, o Director da Rádio Comercial, João David Nunes anunciava que a nova grelha, a partir de 1 de Fevereiro, ia ter apenas alterações ligeiras e a única mudança de relevo ia ser o fim do programa Pão com Manteiga.

 

barros berros borras.jpg

Luís Filipe Barros queria ir para a Onda Média, mas havia outras razões profundas para a saída, que possivelmente terão reforçado a própria vontade de mudança para a Onda Média. Em 1982, Luís Filipe Barros confessava estar «saturado» do Rock em Stock. Hoje, sabe-se que os conflitos com as editoras constituíam a principal causa dessa saturação.

 

O “boom” do Rock português, potenciado em grande parte pelo Rock em Stock, terá acabado por ser uma das principais razões para a saída. O “boom”, na verdade, tinha feito “bum”. A maioria dos discos de Rock português, que surgiam como cogumelos, não passava da mediocridade, uma mediocridade cuja promoção editorial e radiofónica espantava o jornalista musical Luís Peixoto (então no Se7e e desde 1984 no Blitz), face ao passado recente. As editoras tinham passado do 8 para o 80 no que diz respeito ao Rock feito em Portugal e editava-se agora uma grande quantidade de música de qualidade sofrível, na onda do “boom do Rock português”. Contrariamente ao que sucedia com Luís Filipe Barros no Rock em Stock, havia programas radiofónicos inteiramente disponíveis para fazer o “frete às editoras” (a expressão é do mesmo Luís Peixoto) e divulgar essa música.

 

Luís Filipe Barros não tinha perdido a vontade de divulgar música portuguesa no Rock em Stock (e agora havia até uma Lei que impunha uma quota mínima de música portuguesa na rádio). Mas a música Rock de qualidade escasseava e, em vez da cedência às editoras, Barros chegou mesmo a optar por passar algum género de música menos adequada ao tipo de programa que constituía o Rock em Stock, como sucedeu com os Trovante, com Sérgio Godinho ou com o “Cavaquinho” do Júlio Pereira. Já enquanto apresentadora do Rock em Stock, em 1982, Ana Bola queixar-se-ia da mesma falta de qualidade que lhe impedia de passar mais música Rock portuguesa – quase tudo o que aparecia era, nas suas palavras, “intocável”.

 

rui-morrison-onda-media.jpg

Havia, no entanto, uma pressão crescente e queixas das editoras para que o Rock em Stock promovesse o Rock nacional que essas editoras iam editando sem critério. A pressão era tal que Luís Filipe Barros (e isto segundo o próprio) chegou a ameaçar a Valentim de Carvalho de não passar quaisquer discos da editora durante seis meses. O que, por sua vez, motivou mais queixas contra Luís Filipe Barros à Rádio Comercial, e em particular ao seu director, João David Nunes. Dentro da própria equipa do Rock em Stock (e ainda segundo Luís Filipe Barros), havia elementos que tentavam que Luís Filipe Barros e Rui Morrison suavizassem o conflito com as editoras, pelo que o próprio ambiente interno já não seria o melhor.

 

Na entrevista do final de Novembro de 1981, Luís Filipe Barros afirmava: «o Rock em Stock não está ao serviço das editoras. Não queremos saber das editoras para nada. Enquanto estiver à frente do Rock em Stock será assim».

 

Entrevista em que Barros também deixava adivinhar alguma cedência nos critérios de selecção musical do programa, desabafando que não podia «abandalhar mais a selecção musical do programa» e confessando que já passava alguma música que considerava má. O que contrastava com o Barros que, em 1980, afirmava que só passava no Rock em Stock aquilo de que gostava (e percebia-se que era de facto assim). Perdia-se um pouco o “espírito da rádio” que cantavam os Rush em 1980. Mas Luís Filipe Barros estava determinado a corrigir o rumo. Em nova entrevista em Dezembro de 1981, confessava, relativamente ao Rock português, que, por vontade de ajudar, tinha inicialmente passado «montes de porcaria» (acrescentou mesmo que as últimas coisas que tinham saído do Rock feito em Portugal eram «abaixo de cão»), mas que «a partir de agora» iria fazer uma selecção, divulgando só aquilo que achasse que tinha qualidade. Isso foi claramente perceptível nas últimas semanas de emissões do Rock em Stock, com reflexo nos próprios tops (aliás, no final de Janeiro, haverá só um disco português entre os 40 discos integrantes dos tops de singles e de álbuns do Rock em Stock).

 

A cedência que se verificara nos critérios de selecção musical em 1981 não significava, no entanto, uma cedência à pressão das editoras. De resto, o programa continuava a basear-se fundamentalmente em música nova não editada em Portugal. Em 1981, só aproximadamente 15% dos álbuns divulgados no Rock em Stock é que provinham de editoras portuguesas. E, regra geral, três em cada quatro discos integrantes do top do Rock em Stock eram discos não editados em Portugal.

 

A escolha de Ana Bola para substituir Luís Filipe Barros acimentava o choque da notícia.

 

Rock REndez-Vous Nov 1981.jpg

Rock Rendez-Vous, Novembro de 1981. Luís Filipe Barros à esquerda, de lado, e Ana Bola à direita. Entre ambos, os Heróis do Mar, que actuavam nessa noite. Luís Filipe Barros e Ana Bola estavam então longe de imaginar que dois meses depois esta iria substituir aquele no Rock em Stock.

 

A ideia da substituição de Luís Filipe Barros por Ana Bola só surgiu em Janeiro de 1982 e não partiu de Luís Filipe Barros, mas sim do director da Rádio Comercial, João David Nunes, que, perante o pedido de Luís Filipe Barros para ir para a Onda Média, decidiu, inesperadamente, convidar Ana Bola para a locução do Rock em Stock, no que, 30 anos mais tarde, Ana Bola, gracejando com humildade, haveria de descrever como uma “inconsciência da parte de João David Nunes sem limites”, aludindo ao facto de não ter nenhuma experiência radiofónica (nunca tinha feito rádio e não sabia fazer rádio) e de o Rock em Stock ser o programa recordista de audiências.

 

Entre António Sérgio (o substituto previsto um ano antes) e Ana Bola existia, é certo, uma distância gigantesca. E havia todo um oceano entre o estilo de Luís Filipe Barros que tinha marcado o Rock em Stock e o estilo de Ana Bola. 

 

Luís Filipe Barros falava mais em poucos segundos do que Ana Bola numa emissão inteira.

 

♫”I”, dos Kiss – apresentação de Luís Filipe Barros - Rock em Stock de 7/1/1982 (duração: 1min)♫

 

♫”I”, dos Kiss – apresentação de Ana Bola - Rock em Stock de 3/2/1982 (duração: 4min)♫

 

A escolha de Ana Bola foi muito criticada, na imprensa e entre fãs do programa.

 

Ironicamente, Ana Bola - que era conhecida como actriz de comédia, enquanto participante de um programa televisivo de Júlio Isidro - era, na altura, uma das meninas bonitas que as editoras mandavam às rádios, com discos debaixo do braço, com a missão de convencer locutores a passá-los. Surgindo daí o contacto com João David Nunes, nos corredores da Rádio Comercial, numa dessas visitas.

Jan 1982 - Agora é que todos vão à bola RS.jpg

 

O Rock em Stock ia também deixar de ser transmitido ao sábado, que era, nada mais, nada menos do que o dia da sua maior audiência, desaparecendo, por outro lado, o mítico top do Rock em Stock, que era um espécie de ex-líbris do programa desde o primeiro mês de emissões, Abril de 1979.

 

A mudança tinha tudo para dar mau resultado. Daria? Ia, pelo menos, começar da pior forma: três dias antes da estreia de Ana Bola à frente do Rock em Stock, esta partiu um braço, o que, verdade seja dita, não dava muito jeito para quem ia pôr discos a tocar em dois pratos, anotar os discos, ligar e desligar microfone, etc. Ana Bola revelaria muitos anos depois (2010) que imediatamente antes da primeira emissão teve quase um ataque de pânico e qualificou essa primeira emissão como «uma desgraça». Como também revelou, era constantemente alvo de insultos por parte de ouvintes do Rock em Stock, por escrito e ao telefone. E assim foi durante algum tempo, até ir começando a aprender a fazer rádio, com a preciosa ajuda de António Sérgio. Sem falsa modéstia, reconheceu, no entanto, que aquilo não era o Rock em Stock: era outro programa com o mesmo nome («aquilo acabou por se tornar um programa que não era o Rock em Stock, era outra coisa, mas que as pessoas passaram a ouvir quando eu aprendi a fazer rádio»). 

 

Apesar da enxurrada de cartas de protesto recebidas na Rádio Comercial (e até abaixo-assinados), pedindo a continuação de Luís Filipe Barros no Rock em Stock, a decisão era irreversível.

 

13 de Janeiro de 1982. Só ia haver Rock em Stock com Luís Filipe Barros mais duas semanas, mais coisa, menos coisa. Um capítulo histórico da rádio portuguesa estava prestes a terminar.

terceiro melhor da europa.jpg

Sem comentários:

Enviar um comentário